19 maio 2009

Alguns lugares comuns sobre a morte

Quando tudo acaba, será que valeu a pena?
Se eu morresse hoje, morreria realizado?
Este tipo de reflexões levam-nos constantemente a lugares comuns sobre a vida, amaneira de a ver, de a aproveitar. Mas o que podemos entender como aproveitar a vida? Será que aproveitar a vida é realizar actividades extremas, que nos levam ao limite? Ou será que aproveitar a vida é construir, passo a passo um futuro?
Passamos tanto tempo a construir futuros que nunca chegamos a alcançá-los.
Se eu morresse amanhã, perderia tempo a pensar no que devo fazer, ou faria?
O que nos leva a investir? Aquilo que nos leva a investir é uma espécie de certeza estranha de que vamos acordar no dia seguinte. Toda a gente morre um dia, e quantas pessoas podem adivinhar que vão morrer no dia em que morrem? Acordam como noutro dia qualquer, vivem como noutro dia qualquer.
Porque será que não temos todos direito a saber quanto tempo vivemos? Se todos soubéssemos o dia da nossa morte, não poderíamos gerir melhor o nosso tempo?
Quando chegamos a um chat, e nos perguntam a idade, cidade, e sexo, podiam perguntar também tempo de vida. Seria lógico, os casais poderiam apontar para tempos de vida semelhantes, teriam filhos na altura certa. Cada um construiria uma carreira segundo o tempo que tivesse disponível. Ninguém criaria falsas esperanças, falsos sonhos. Não. Todos nós poderíamos cumprir de um modo muito mais severo as nossas religiões, para garantir a nossa entrada no Paraíso. Eventualmente, na véspera da morte poderíamos distribuir todo o nosso dinheiro a mendigos, e uns diriam ‘dê àquele, que ainda tem dez anos de vida, quando a mim restam uns dias’.
Não saberíamos todos viver melhor sabendo quando morremos? Era fácil planear à partida as mulheres ou homens que se queriam experimentar, as bebidas, as viagens!
Quem me poderia censurar por largar tudo na véspera da minha morte? Ou um mês antes? Para levar uma vida de que realmente me orgulhe.
Estamos sempre a adiar coisas, quando estamos sempre todos com uma espada por cima da cabeça, presa a um fio muito podre, prestes a partir. E em vez de sermos felizes, vivemos numa comunidade a transpirar angústia. Temos uma esperança média de vida de 75 anos, e passamo-los sozinhos, tristes, e angustiados. Aposto que além de camadas gasosas, todo o nosso planeta está rodeado de uma densa camada roxa de melancolia, e por mais ridículo que pareça, enquanto todos caminhamos para a morte, fazemos questão de viver já mortos.

A perda de um Mestre é capaz de abalar até o coração mais frio.

Hoje em dia, todos os alunos, mais novos ou mais velhos têm por ano uma quantidade incontável de professores, que lhes são atribuídos aleatoriamente.
No meio desses professores, e talvez noutras situações que são vividas fora da escola, começam realmente a surgir os Mestres, que podem ser um, dois ou mil, mas que nunca são atribuídos de forma aleatória.
O Mestre é aquele que sabe exactamente tudo aquilo que nós queremos aprender, é aquele que nos faz evoluir e crescer por dentro, nos estimula a melhorar, e nos causa um carinho de tal forma forte, que nos preocupamos com ele em todas as situações.
Quando um Mestre emerge nas nossas vidas, apesar de nem sempre o compreendermos, nunca o criticamos realmente, porque nos sabemos inferiores, e tudo aquilo que desejamos é conseguir absorver todas as pingas de informação que ele disponibilize para nós. A relação Mestre-aluno passa por muito mais que a simples aprendizagem de uma matéria ou disciplina, passa sim por um enriquecimento mutuo, muitas vezes emocional.
Não há maior perda para um Mestre, que a de um aluno, seja uma perda mais física, ou seja uma perda mais espiritual, como por exemplo uma desistência, um desrespeito ou uma traição.
No entanto vos digo com toda a certeza, poucas no mundo são as perdas pessoais que podem superar a dor da perda de um Mestre.
Quando um Mestre é perdido, ou quando sentimos que o estamos a perder, fica a triste sensação de que ainda há muito que aprender, e que nunca ninguém nos poderá ensinar da mesma forma. Sobra apenas um vazio, uma espécie de ralo por onde se começa a esvair tudo aquilo que crescemos emocionalmente. É claro que nunca se esvairá, mas parece que ainda podíamos ter ganho tanto, e ganhamos tão pouco.
Talvez a culpa até seja do aluno, que não soube como manter o Mestre ‘vivo’, e ainda que não seja, nunca deixará de se culpabilizar. Trabalhará o dobro, e investirá ainda mais fortemente naquilo que aprendia, só para ter a certeza de que sobrou alguma coisa do Mestre, que não foi só um momento, que os seus ensinamentos se prolongam e prolongarão durante toda a sua vida, e dos possíveis alunos que virá a ter.
Digo que nunca nenhuma pessoa estará completa se não tiver pelo menos um Mestre na vida. E que a perda de um Mestre é capaz de abalar até o coração mais frio.

18 maio 2009

Oficina de escrita de português: Escreva um texto no qual descreve as sensações que sentiria se fosse um dos personagens da pintura (150-200 palavras)


Abro os olhos.
Não sei quem sou, não sei onde estou ou porquê...não sei quem está ao meu lado.
O céu azul cobre-nos, e por toda a areia estranhos reflexos doirados tendem a ofuscar-me a alma, como se um enorme tesouro se estendesse à minha frente.
Entre o céu e a terra está uma rosa, suspensa no ar. Porque estará ela suspensa no ar? Quem sabe... talvez se tenha fartado da sua pequenez terrena, talvez nos esteja agora a mostrar o quão pequenos somos nós. E eu olho-a, desprovido de memória, sem medo. Não há razões para ter medo, nada me acontecerá. Não sou eu com certeza a personagem principal, sou pequeno demais ! Sou como um minúsculo figurante num quadro surrealista, e enquanto críticos de arte se esforçam por encontrar um significado metafísico para esta flor que voa, eu limito-me a observá-la. Frente a frente. Esquecido por todos. Não poderei jamais descrever a sensação, precisamente por ser algo que nunca ninguém sentiu. Ninguém poderá perceber porque voa ela. Talvez estejamos todos enganados, e não haja nenhuma razão. Talvez voe apenas porque voa, tal como algumas estão na terra.
Sou minúsculo.
A sombra da rosa cobre-me...e começo a ter frio...

17 maio 2009

Oficina de escrita de português: Escreva um texto subordinado ao tema: O poema cresce...(80-100 palavras)

O poema cresce se eu quiser.
O poema é meu, e ninguém manda nele.
Rotular um poema, seja de que forma for, ainda que seja para dizer que ele cresce, é errado! Um poema é a coisa mais anarquista que existe. Pode variar desde os muito estudados decassílabos de Camões até ao verso solitário de João Miguel Fernandes Jorge. Um poema pode ser uma palavra e não perde a beleza por isso. Tal como uma criança pequena é bela. Talvez seja por forçarmos as crianças a crescer que elas ficam más pessoas. Talvez algumas crianças devessem crescer porque querem e outras devessem permanecer pequenas eternamente, tal como os poemas.

16 maio 2009

La bohème


Há uns dias, na minha escola, realizámos uma peça de teatro, em honra da semana da língua das românicas.
A peça de teatro passava-se no inicio do séc. XX, durante a revolução boémia francesa. E foi escrita por mim. Pouca audiência, poucos aplausos, é verdade, mas não há nada de mais gratificante para alguém que gosta de escrever, como ver uma peça sua ser realizada por pessoas que se esforçaram realmente para a recriar e representar.
A peça gira em volta de um pintor, sem inspiração, que a reencontra numa fotografia de uma mulher indiana, e todas as considerações tecidas em volta da inspiração que a fotografia causa, o amor e a boémia, por parte desse pintor, de dois poetas seus amigos, e de duas prostitutas habituais.
Não foi uma obra prima, e os cenários não foram os melhores, mas toda a elaboração, ensaios, treinos foram realmente divertidos. E a forma como um texto que escrevemos ganha vida, é absolutamente inacreditável. Olhar para as pessoas, e perceber que são as mesmas que inventaste, que por momentos estás dentro de todas, que estão ali os personagens que criaste, que inventaste, que controlas, mesmo à tua frente, palpáveis e visíveis, sentimo-nos gratificados com o nosso trabalho, e não há nada como isso.

10 maio 2009

Poema

Podia raptar-te
Aprisionar-te num castelo
Fazer-te minha, literalmente.
Assinar os papeis da tua compra
podia magoar-te
ou violar-te
Podia amar-te
mas em vez disso
fico para aqui a escrever...

14 abril 2009

O que aconteceu ao poema?

O poema afogou-se porque o poeta não sabia escrever e por muito que o cantasse, as nuvens levaram-no para o mar e ele afogou-se, e lá está agora, sem ar, palavras antes cheias de valor, apenas cheias de água, e ninguém. Ninguém quer saber.

11 abril 2009

O camponês

Havia um camponês
que todos os dias trabalhava
trabalhava
trabalhava.
Tinha uma pá e uma enchada,
e mãos suadas,
e uma cara mirrada,
mirrada como uma flor velha
da qual ninguem gosta.


E todas as manhãs ia para o campo,
e os seus patrões davam-lhe a pá,
porque nem a pá ele podia ter dele
e ele trabalhava, e trabalhava.
Plantava trigo, e batatas,
mas nunca mais as via, porque iam para os seus patrões
e toda a gente do mundo comia o que ele semeava,
toda a gente.
Menos ele.

Ele vivia triste e amargurado
mas não conhecia vida melhor.
Ninguém lhe dava vida melhor, ninguém.

Um dia, enquanto escavava, olhou incrédulo para o chão,
e a sua alma congelou,
do chão escorria sangue e em vez de trigo, espinhas mortas consumiam as vivas,
tal como o padre um dia disse que Moisés sonhou, ou talvez fosse José.
os montes, tornaram-se em altos alternados com sulcos,
tal e qual umas costelas muito magras.
E o camponês descobriu, que a terra que escavava
não era nada
se não ele próprio.

02 abril 2009

Fim do mundo.

E, nesse dia o céu começou a cair, e as árvores, e pedras que vinham do espaço, mas, os humanos cá em baixo não gritaram, esperaram honrados o fim merecido.

31 março 2009

E por fim as memórias desvaneceram-se...

30 março 2009

O viajante.

Depois de subir a mais alta montanha, e de olhar para as suas mãos em carne viva, o viajante percebeu a terrível verdade:
Não passamos todos de memórias esquecidas num futuro inalcansável.

27 março 2009

O rapaz estúpido

Era uma vez um rapaz infeliz e estúpido.
Era tão estúpido que nem merecia viver. Então o Mundo dirigiu-se ao rapaz e disse que a partir daquele dia só o deixaria viver se não sentisse a sua respiração, nem a sua presença.
Então o rapaz partiu em busca de um pedaço de não-mundo, sempre em vão. E por muito que procurasse, todos o odiavam, e o mundo começava já a pensar como matá-lo.
Até que um dia encontrou, e entrou nesse pedaço de não-mundo, e lá dormiu para sempre.

24 março 2009

24/03/2009



Fomos mais de cem!
Espero que venhamos a ser mais de mil!
Liberdade e democracia sempre!

22 março 2009

O homem com fios de marioneta

Era uma vez um homem que tinha fios de marioneta, sem saber.
Um dia, a dormir, todos os fios se emaranharam, de modo que quando acordou, não se mexia muito bem.
Foi assim que o pobre sujeito descobriu que tinha fios de marioneta que o moviam.
Então o homem queria ir para a esquerda, mas quem o levava eram os fios, logo, se calhar talvez ele não quisesse mesmo ir para a esquerda.
Então um dia o homem sentiu-se preso.
Culpou Deus, culpou o estado, culpou a sociedade, fez teorias e culpou extraterrestres, culpou-se a si mesmo. Culpou os pretos e culpou o Hitler, mas continuava preso.
Todos os dias corria preso. Se um dia voasse, voaria preso. O homem tinha tudo. Tudo menos liberdade.
Um dia o homem conheceu uns anarquistas, que estavam tão presos como ele. Depois conheceu uns comunistas, tão presos como ele. Procurou nazis, socialistas, médiuns, centros espírita, igrejas, conheceu filósofos, mulheres, cigarros. Gritou, foi preso, bateu em pessoas e violou raparigas.
Mas os fios dele não desapareciam, nem os de mais pessoa nenhuma.Um dia, ao amanhecer, agarrou numa tesoura e cortou os fios um por um. Primeiro as pernas, que logo caíram imóveis, depois a cabeça, que tombou, como que morta. Depois um dos braços, e por fim, torcendo-se muito, o braço que faltava. Quando finalmente todos os frios estavam cortados, caiu imóvel no chão e morreu de fome, e o seu corpo ficou a apodrecer.

21 março 2009

Poesia

Feliz dia mundial da poesia!
‘What is poetry?’ Menos que ‘Carpe Diem’, ou ‘Oh captain, my captain’, que nunca nos chegam realmente a sair da memória, esta é uma frase, que apesar de não ser marcante, paira durante todo o ‘clube dos poetas mortos’ sem nunca nos dar uma resposta concreta. O que é a poesia? Esta pergunta assombra-me, e, no entanto, sei que por muito que busque, as duvidas prevalecerão, tal como em perguntas do género: ‘o que é a beleza?’. Eu acho que a poesia pode derivar de um sentimento que por vezes temos, que é bastante angustiante. Aquele sentimento de querer escrever, e, no entanto, não ser capaz de construir uma história. Temos frases óptimas, ideias belas, mas simplesmente não se conectam. Com o carácter livre que a poesia adquire a cada dia que passa, eu quase posso jurar que é o que no nosso mundo mais se aproxima da verdadeira anarquia. Qualquer coisa é poesia, basta que eu queira, qualquer palavra, onomatopeia, símbolo se pode tornar num lindo poema, e é essa a verdadeira beleza da poesia. O verdadeiro gozo da poesia é muito maior no que escreve do que naquele que lê. O momento em que a caneta desliza pelo papel... por vezes, em momentos de maior silêncio, podemos sentir o papel arranhar. Implorar que paremos, pois já não aguenta a quantidade de sentimentos que lá depositamos, enquanto nós, sentimos o prazer do descontrair de milhares de coisas tensas, no nosso corpo. Uma sensação equiparável ao orgasmo, talvez. O poder da poesia é infindável, podemos mudar personalidades com poesia, visões do mundo, formas de nos comportar socialmente, antes do 25 de Abril, ‘’a cantiga ‘’era’’ uma arma’’, e é disso que falo. Mas se o povo rejubila ao ouvir quem os compreende, qual será o sentimento do poeta ao libertar os milhões de emoções e revoltas militantes para uma simples folha de papel?! Não podemos imaginar as sensações que povoaram Fernando Pessoa, quando através de carta, o seu heterónimo Álvaro de Campos comunicou com Ofélia a julgar o seu amor com o próprio Pessoa! Não podemos imaginar o gozo de Pessoa, quando, encarnando a personagem de Alberto Caeiro, nessa altura moribundo, escreve um poema, até ao momento da morte do heterónimo! Que alívio terá sentido Florbela Espanca ao libertar as dores reprimidas? Porque será que Joaquim Manuel Magalhães tem poemas que se limitam a escrever um engate a uma prostituta, ou uma cena de sedução num supermercado ao comprar um queijo fresco? Será que dois versos de um poema de João Miguel Fernandes Jorge são suficientes para libertar tudo o que tem de ser libertado? Aposto que sim! A poesia é isso mesmo, a maneira de nos exprimirmos, da forma mais pura que conseguimos, ou pelo menos, da mais bela. Claro que os poemas de Camões pouco têm de anarquista, com todas as rimas, e métricas estudadas, no entanto, os seus sentimentos, a sua estética de época leva-o a expressar os seus sentimentos assim, os seus amores assim (então Camões, especialmente namoradeiro). A poesia é tudo. A poesia vem no mais simples frasco, numa estrela, ou numa minhoca. A poesia, o ser poeta, é a capacidade de escrever sobre tudo, de ver a beleza em tudo. De amar a morte e a vida de forma igual. De tornar o desconhecido conhecido, ou pelo menos bonito o suficiente para não ser temido como o desconhecido. Cada vez menos as pessoas gostam de poesia. A poesia tomou agora imagem para o mundo exterior , ligada a amor e lamechices, que obviamente ninguém quer ler. Mas a poesia está muito além disso. Lembro-me de há tampos mostrar um poema a um amigo meu. Um poema simples, mas muito bonito, não me lembro qual, ou de quem, mas lembro-me que era poesia branca. E no fim de o ler, o meu amigo perguntou: ‘Onde estão as rimas? Poesia sem rimas não é poesia’. Este tipo de observações leva a que as pessoas se afastem das poesia, porque realmente pouca gente tem desejo de ler poesia que não fale de amor, ou não possua rimas, e ainda menos tem desejo de ler a restante poesia. Observo em muitos jovens que querem ser poetas, que se intitulam bons poetas, poemas desprovidos de qualquer estética vocabular, de qualquer pureza ou espontaneidade de sentimentos, e ainda por cima, repleto de palavras ‘mal empregadas’ e absolutamente sem sentido em contextos apenas para fazer uma rima. É pena que os sentimentos poéticos se estejam a perder. É pena que neste tempo cinzento, em que tudo é feito à distância, onde a caridade é só depositar dinheiro numa conta, em que o amor é desprezado, em que já ninguém quer passar dez minutos com os amigos, ou, pura e simplesmente ver uma bonita paisagem, se esteja a perder também a capacidade de ler e compreender o que os outros escrevem, reservando ainda mais que no passado, o prazer da poesia, ao poeta, e não ao leitor.

Mas, tão importante como, ‘o que é a poesia’, vem a seguinte questão, o que é um poeta. O que nos define como poetas, é algo de natural, ou de adquirido? Será que para ser poetas temos de ter a poesia do nosso lado? Será que a língua nos domina, ou nós dominamos a língua.
Bem, a minha opinião, que vale tanto quanto a opinião de um jovem borbulhento vale, é que ser poeta é a capacidade de tornar qualquer coisa bonita, não só pelo que se diz dessa coisa, mas como se diz. Ou seja, um poeta tem de ser capaz de transformar qualquer lugar comum numa coisa bela! Tem de manobrar a língua, dominá-la e deixar-se dominar, sem haver necessariamente uma relação de vassalagem, mas sim, acima de tudo, uma simbiose, o equilíbrio perfeito entre os sentimentos do poeta e como ele os transparece. Em como um poema pode falar apenas de um rio. Ou pode variar entre as mais ‘pomposas’ metáforas, ou ficar por algo muito simples, e belo, que nos diz que ‘um rio não tem uma voz doce, porque é um rio’, não usando estas palavras, mas dizendo-o.
Será que um bom poema deve ser louvado a si mesmo, ou ao poeta que o escreve? Não será o pobre poeta uma ponte entre a realidade e o sentimento? Não será o poeta um lugar onde todos os sentimentos se misturam com a língua, e nos fazem sentir que de facto, qualquer língua é bonita. Mesmo por vezes lendo, ou ouvindo sem entender, a maneira como as coisas soam é tão bela, que só por isto já vale a pena.
Um poeta não é só alguém que escreve versos. É alguém que ama a língua, e nos inspira para todos os dias que temos de enfrentar, longos, cinzentos, e enfadonhos, mostrando-nos que as coisas pobres, e vulgares, podem florescer. Um poeta não tem de escrever sobre o amor, ou não tem de escrever sobre coisas bonitas, mas o que escreve, se for bonito, ainda que não fale sobre coisas bonitas, é necessário distinguir aqui a beleza do poema, da beleza de que alguns poemas falam, talvez uma distinção entre belo e sublime, dá-nos força, inspiração, capacidade de tentar, a todo o custo, melhorar, mudar, ajudar, amar, sofrer por amor até, só para experimentar-mos a dádiva de ter a poesia a escorrer-nos pelos dedos e a manchar folhas, e mais folhas de papel, com borrões de tinta azul, preta, roxa, castanha, que mais tarde serão registos daquilo que sentimos, serão restos da nossa mensagem, da nossa maneira de gostar, da nossa maneira de sentir, e de amar!
Festejem este dia mundial da poesia! Leiam! Sintam!
E encham a vossa alma...

20 março 2009

A rapariga do pescoço partido

Um dia, durante uma prova de ginástica acrobática, uma rapariga fugiu da sala a correr porque partiu o pescoço.
Quando saiu do ginásio, encontrou um rádio, que radiante, lhe roubou as orelhas.
E fugindo mais ainda, encontrou uma televisão, que lhe roubou os olhos, enquanto se ria.
E, correndo desesperada, deparou-se com uma revista cor de rosa, que lhe roubou o cérebro.
Já exausta, fugiu, até que viu um cartaz de moda, que a deixou nua, e sem corpo...
Por fim, ao chegar a casa, olhou-se ao espelho e a sua alma ficou lá encerrada.
Até que um dia o espelho se partiu.
E da rapariga sobrou apenas o pescoço partido.

17 março 2009

Era uma vez...

Era uma vez um homem que amava.
E que de tanto amar, se transformou em pombo.
No seu corpo de columbiforme foi a voar até à janela de sua amada.
Pois viu o homem pombo que era tarde, e picando a janela a picou, até que seu amor acordasse.
Sua amada acordou irada e o expulsou.
Mas nem por isso o pombo a amou menos.
No dia seguinte, viu o homem pombo que era tarde, e picando a janela a picou, até que seu amor acordasse.
Sua amada acordou mal-humorada e o expulsou.
Pois ao terceiro dia, não amando menos, viu o homem pombo que era tarde, e picando a janela a picou, até que seu amor acordasse.
Sua amada acordou farta do pombo, e o expulsou, e espalhou veneno na janela.
Mas o homem pombo não a amou menos.
No dia seguinte, viu o homem pombo que era tarde, e picando a janela a picou, até que seu amor acordasse.
Ao picar a janela, sentiu um gosto amargo, e pensou que se tratava do sabor da rejeição.
Logo de seguida caiu morto, mas nem por isso a amou menos.
E nesse dia, a sua amada não acordou.

15 março 2009

Sem-abrigos

Há dias em que acordamos mesmo sem qualquer inspiração. Sem vontade de escrever, está tudo cá dentro, simplesmente se recusa a sair para fora! Não há nada de mais inspirados para alguém que escreve do que as dores do mundo. Deixo hoje um conselho: Comecem a falar com os Sem-abrigo, a sério, não há nada de mais inspirador neste mundo! Oiçam a suas histórias! Tentem descobrir como é que um russo aqui veio para, o que atravessou, o que o correu mal, e, por estranho que pareça, as boas memórias que podem povoar a cabeça dessa ‘classe social’ se é que se pode chamar isso, porque não tenho a certeza, que são os Sem-abrigo. Experimentem dar um pouco de atenção, não apenas uma moeda, ou duas, ou um pequeno-almoço, oiçam-nos, porque eles vão falar, estão ansiosos por falar, e acreditem que nem sempre é um queixume aquilo que vão ouvir! Há Sem-abrigos de uma alegria inesgotável, que falam, ensinam palavras na língua deles, riem, e no fim agradecem, felizes, não só pelo dinheiro que receberam, ou pelo caminho que ensinámos, ou o pão que demos, mas porque souberam de novo o que é não se sentir inferior, porque por momentos alguém falou com eles de igual para igual. Porque sentiram uma réstia de atenção, carinho de um estranho, e como bem sabemos, não há nada tão bom como carinho, venha ele de quem vier! Sintam-se melhor convosco próprios e fariam alguém sentir-se melhor. Mostrem o carinho que podem dar, a alguém que mais precisa! Por favor, isto é verdadeira caridade! Porque se pensarmos bem, hoje em dia, a caridade deixou de ser real caridade, hoje em dia, basta que tiremos algum dinheiro daquele que não nos faz falta, depositemos num banco, ou num site da internet, e a caridade está feita, muitas pessoas escondem-se por detrás da caridade de hoje em dia, que exige quatro segundos! Não condeno esta caridade, antes pelo contrário, é útil e deve ser usada, mas em vez de só usarmos esta, vamos levantar-nos do sofá e apanhar frio de noite, para dar qualquer coisa a um Sem-abrigo! Vamos sujar-nos a limpar um sem abrigo! Vamos ouvir quem mais precisa de ser ouvido! Vamos abraçar um leproso! Em sentido figurado, porque não nos custa nada, a sujidade sai com banho, o frio passa quando estivermos em casa! São coisas momentâneas, desculpas idiotas que nos impedem de dar-mos a pele por algo mais verdadeiro do que um ecrã de computador e uma página que nos diz que morre uma pessoa de fome de quatro em quatro segundos, ou um blogue que nos manda largar a ‘caridade digital’, ou lá o que lhe queiram chamar!

10 março 2009

Política

Hoje, numa aula minha, levantou-se um problema com uma colega nossa, com problemas de saúde, que graças ao novo regime de faltas vai ser mais prejudicada do que alguns colegas nossos que faltam às aulas sem qualquer motivo.
Enquanto protestávamos, o nosso professor de latim olhou para nós e disse ‘vocês têm o que merecem, se são contra estas coisas, deviam lutar contra elas, o meu tampo já lá vai, e eu já lutei pelo meu mundo e pelo meu tempo, lutem agora pelo vosso’.
Há já alguns dias que ando a reflectir nisto, e na quantidade inacreditável de pessoas que ainda hoje ouvem Beatles, ou Bob Dylan, nas quais eu estou incluído, e levou-me a pensar: ‘Porquê este revivalismo? Para quê olhar para o passado, se não estamos a lutar por algo mais importante do que o passado, o presente?’ é verdade! Não nego que estes activistas passados, estes mestres, estes pacifistas não mereçam ser recordados, claro que merecem! Temos de os recordar, temos que pensar neles com nostalgia, com amor, mas acima de tudo, com respeito.
Será que respeitamos estes lutadores, os movimentos hippies, o 25 de Abril, a revolução sexual, ao ficarmos calados, e assistir ao mundo político que desaba à nossa volta, e pura e simplesmente recordar os ‘bons velhos tempos’ dos quais nem fizemos parte? Se o John Lenon fosse vivo, queria fama? Ou queria que lutássemos contra tudo isto?
Hoje em dia, ao falar com vários jovens, começo a ganhar consciência de que mais jovens do que pensamos não querem nada da política, estão dispersos, desiludidos, traídos. Alguns até me perguntam ‘Para quê lutar? Isto nunca muda!’ e até mais grave ‘Eu não compreendo aquilo porque estou a lutar.’
Toda a gente se sabe queixar da forma cobarde, todos sabem dizer que Portugal é um País decadente, todos sabem que querem fugir para o estrangeiro, mas nem metade desse número se junta para lutar contra o mundo em que vivemos. De facto, assinar um abaixo-assinado é uma forma de luta, mas é uma forma de luta extremamente confortável, em que quem a organiza faz tudo, e nós só temos de lá colocar o nosso nome! A maioria dos jovens até aos 16 anos nem sequer sabe as diferenças entre os partidos portugueses, e mais grave, não se tenta informar, esta situação é levada ao extremo quando alguns nos perguntam o que é a esquerda e a direita, ou pior, ‘quais são os bons?’, como se o mundo se dividisse entre príncipes e lobos maus!
É necessário que enchamos manifestações, que gritemos, que escrevamos, que juntemos pessoas! Pessoas com argumentos, e não meia dúzia que vai para uma manifestação com ideais definidos e bons argumentos, juntamente com mais 30 que não sabem do que se trata! Os jovens necessitam de se informar! De aderir a movimentos! Lutar! Gritar! Estamos desesperados por um Guru! Um líder! Dêem-nos uma nova inspiração, um novo lutador, uma réstia de esperança para este País e este mundo podre onde vivemos, que a cada dia se torna mais podre porque ninguém luta por nada, e todos esperam que os outros lutem! Este mundo podre, porque nos agarramos aos Beatles, sem nunca perceber a sua mensagem! Sem nunca lutar por ela! Sem criar um mundo melhor para nós! Para os nossos filhos!
Temos todos de dar as mãos! Vamos a manifestações! Elas continuam a existir! Vai haver uma dia 24 deste mês! Vamos unir-nos contra tudo aquilo que a cada dia que passa nos destrói o futuro! Nos deturpa a educação, e, acima de tudo, nos deforma a realidade, a verdade, e aquilo a que todos os seres humanos têm direito, a liberdade! Não se deixem apanhar nesta teia que vos reprime aquilo porque gerações passadas lutaram! Não deixem que pensem por vós! Não se agarrem ao passado! Juntem-se pelo futuro! Há sempre esperança! A sério.... ou então a vida não vale a pena.

09 março 2009

Mulheres e Bonecas

Um dia depois do dia da mulher, faz anos a mais famosa boneca do mundo. A Barbie. Boneca que começou por ser um verdadeiro veículo feminista e intervencionista, pois quem foi a primeira mulher a ir ao espaço? Ou a candidatar-se para presidente? Foi a Barbie. Sempre uma boneca adaptada à época, bonita, vestida por estilistas.
Mas o que é, hoje em dia, essa boneca feminista? E porque transformações passou?
Aquela que antes era uma boneca que elevava a mulher ao seu expoente máximo, não passa agora de uma boneca que a rebaixa ao seu expoente mínimo.
O dia internacional da mulher serve para nos relembrar que o lugar actualmente ocupado pela mulher no mundo existe à conta de muitas lutas e combates das mulheres, e ao contrário do que já ouvi vários dizer, não penso que seja um tipo de discriminação disfarçado. Não acho que o dia mundial da mulher seja um dia dedicado às mulheres por não terem mais nenhum dia do ano. O dia mundial da mulher serve para lembrar todos os homens e mulheres, de que houve luta. Luta contra o machismo, e a moral instituída.
Temos agora a Barbie. A Barbie já não vai à lua, e já não se candidata a presidente. O que temos agora na Barbie? Uma mulher pintada, repleta de acessórios, com um pónei rosa, um desportivo rosa, roupas rosa, acessórios rosa, um corpo impossível, uma vagina depiladinha, mamas duras, plásticas, e perfeitas, uma cabeça oca que podemos apertar, cabelos loiros e que passa o dia todo na praia ou na piscina! A boneca Barbie mudou de frente! E a antiga boneca feminista e lutadora tornou-se agora um símbolo de todos os estereótipos femininos que vêm da América! Com que ideia ficarão as raparigas de si mesmas? As suas bonecas, as suas queridas amigas bonecas, o que lhes estão a ensinar? Se uma boneca se pode gabar de ser um método de intervenção, não nos podemos queixar que as coisas mudaram a níveis brutais, e que agora temos uma boneca que em vez de parecer uma pessoa, faz com que as pessoas cada vez mais se queiram parecer com uma boneca?
Num dia festejamos as vitórias das mulheres após anos, décadas, séculos de luta, e no dia seguinte, o aniversário de uma boneca que começou revolucionária e activista, para mais tarde, como muita gente que consegue poder, se vender ao sistema, e aceitar a sua vida confortável e sem sentido!
Parabéns mulheres!
Parabéns Barbie!

07 março 2009

Sem título

Não deve haver no mundo sensação mais estranha, e até mesmo angustiante, do que aquela que temos quando estamos aborrecidos, ou deprimidos, ou assustados, devo dizer talvez, em vez de assustados, inquietos com algum assunto, de que o mundo parou, mas tudo à nossa volta continua a correr, sensação que nos deixa confusos com a velocidade com que tudo continua a decorrer à nossa volta. O nosso cérebro, a nossa alma, o nosso coração estão tão mergulhados em alguma coisa, que simplesmente não somos capazes de ver a velocidade a que as pessoas andam, a que as pessoas falam, a que as pessoas respiram! É sufocante, deixa-nos numa solidão terrível. Não digo que estejamos sozinhos, nem digo que seja motivo para entrar em depressão, nem critico o mundo, não desta vez. Porque desta vez nada tem culpa, nós mesmos é que não aguentamos a velocidade do mundo. Eu já não aguento a velocidade do mundo. Não quero correr ao lado dele, mas pior que isso, não o quero ver passar a correr. Não penso que seja necessário estarmos com um mau estado de espírito para que isto aconteça, só dei este exemplo, porque é quando esta sensação é mais frequente e avassaladora. A sensação que nos faz implorar mentalmente ‘larga-me, larga-me, larga-me’ ou ‘cala-te, cala-te, cala-te’ não por estarmos zangados, não por sermos maus, simplesmente porque já não aguentamos o mundo. A sua velocidade, o seu ritmo, o seu batimento cardíaco de mil quilómetros por hora! Não consigo ver o gesto mais lento, que me confunde, o simples tirar de um telemóvel ou de um Ipod me enlouquece, e o barulho das pessoas a falar é ensurdecedor. Por vezes, quero mesmo, mesmo tirar umas férias por cima de uma nuvem.

02 março 2009

Coisas perdidas

Eu, que não tenho muito sentido de responsabilidade, perco coisas frequentemente, e não há nada que me divirta mais, depois de as perder, e depois de arcar com todas as consequências, ou seja, depois de passar a parte não divertida da perda, do que pensar o que lhes poderá ter acontecido. Onde terão ido parar? Sabem a história do soldadinho de chumbo? Será que acontece algo igual? Será que não? Alguém apanha os livros que deixo cair na rua e os coloca numa estante empoeirada, ou poderei já ter despertado em alguém o gosto pela literatura? E quando perdemos um fotografia? Eu gosto de apanhar fotografias perdidas, são pessoas, com histórias que podemos imaginar. Será que imaginam as nossas histórias? será que imaginar a história de outro, pode ter algum significado? Será que perdermos as coisas, pode dar algum significado ao mundo, que ele não tivesse antes de as perdermos?

28 fevereiro 2009

Um blogue

Um blogue.
Toda a gente tem um blogue, e se não tem, devia ter. Eu, pessoalmente, só criei este tão depois da moda bloguista aparecer porque, por muitos que tenha feito antes, nunca tive realmente paciência de manter um blogue.
Com pena minha, não sou capaz, sem ser com muito esforço, de manter algo que para sobreviver precisa e atenção, ritmo de produção e trabalho como um blogue.
Os blogues são a nova forma de comunicação. Podem vir a nascer escritores em blogues, e, hoje em dia, a importância dos blogues é tão grande, que cada vez mais há mais certezas de que o blogue chegou para pôr de lado todos os antigos meios de comunicação. E é verdade.
Mas, o que me leva a acreditar que os blogues são merecedores da nossa atenção, é o facto de toda a gente poder expor as suas ideias, sem qualquer tipo de discriminação, sem ser abafado! Podemos escrever, ser honestos, dizer coisas boas, ou más, que para nós fazem sentido. Coisas que são importantes transmitir, histórias que as pessoas deviam ouvir, ler, conhecer, mas que o elitismo actual não permite. Tudo isto me atrai os blogues, mas a minha falta de sentido de responsabilidade tem-me deixado de pés e mãos atados.
O meu nome é Simão, e sou novo, tenho quinze anos, não me desprezem, alegrem-se, porque como sabem, o destino do mundo futuro está em parte nas minhas mãos. Se isso é boa ideia ou não, já não sei.
Por tudo o que um blogue pode significar, em termos de igualdade entre as pessoas, arrisco-me a criar este.