Feliz dia mundial da poesia!
‘What is poetry?’ Menos que ‘Carpe Diem’, ou ‘Oh captain, my captain’, que nunca nos chegam realmente a sair da memória, esta é uma frase, que apesar de não ser marcante, paira durante todo o ‘clube dos poetas mortos’ sem nunca nos dar uma resposta concreta. O que é a poesia? Esta pergunta assombra-me, e, no entanto, sei que por muito que busque, as duvidas prevalecerão, tal como em perguntas do género: ‘o que é a beleza?’. Eu acho que a poesia pode derivar de um sentimento que por vezes temos, que é bastante angustiante. Aquele sentimento de querer escrever, e, no entanto, não ser capaz de construir uma história. Temos frases óptimas, ideias belas, mas simplesmente não se conectam. Com o carácter livre que a poesia adquire a cada dia que passa, eu quase posso jurar que é o que no nosso mundo mais se aproxima da verdadeira anarquia. Qualquer coisa é poesia, basta que eu queira, qualquer palavra, onomatopeia, símbolo se pode tornar num lindo poema, e é essa a verdadeira beleza da poesia. O verdadeiro gozo da poesia é muito maior no que escreve do que naquele que lê. O momento em que a caneta desliza pelo papel... por vezes, em momentos de maior silêncio, podemos sentir o papel arranhar. Implorar que paremos, pois já não aguenta a quantidade de sentimentos que lá depositamos, enquanto nós, sentimos o prazer do descontrair de milhares de coisas tensas, no nosso corpo. Uma sensação equiparável ao orgasmo, talvez. O poder da poesia é infindável, podemos mudar personalidades com poesia, visões do mundo, formas de nos comportar socialmente, antes do 25 de Abril, ‘’a cantiga ‘’era’’ uma arma’’, e é disso que falo. Mas se o povo rejubila ao ouvir quem os compreende, qual será o sentimento do poeta ao libertar os milhões de emoções e revoltas militantes para uma simples folha de papel?! Não podemos imaginar as sensações que povoaram Fernando Pessoa, quando através de carta, o seu heterónimo Álvaro de Campos comunicou com Ofélia a julgar o seu amor com o próprio Pessoa! Não podemos imaginar o gozo de Pessoa, quando, encarnando a personagem de Alberto Caeiro, nessa altura moribundo, escreve um poema, até ao momento da morte do heterónimo! Que alívio terá sentido Florbela Espanca ao libertar as dores reprimidas? Porque será que Joaquim Manuel Magalhães tem poemas que se limitam a escrever um engate a uma prostituta, ou uma cena de sedução num supermercado ao comprar um queijo fresco? Será que dois versos de um poema de João Miguel Fernandes Jorge são suficientes para libertar tudo o que tem de ser libertado? Aposto que sim! A poesia é isso mesmo, a maneira de nos exprimirmos, da forma mais pura que conseguimos, ou pelo menos, da mais bela. Claro que os poemas de Camões pouco têm de anarquista, com todas as rimas, e métricas estudadas, no entanto, os seus sentimentos, a sua estética de época leva-o a expressar os seus sentimentos assim, os seus amores assim (então Camões, especialmente namoradeiro). A poesia é tudo. A poesia vem no mais simples frasco, numa estrela, ou numa minhoca. A poesia, o ser poeta, é a capacidade de escrever sobre tudo, de ver a beleza em tudo. De amar a morte e a vida de forma igual. De tornar o desconhecido conhecido, ou pelo menos bonito o suficiente para não ser temido como o desconhecido. Cada vez menos as pessoas gostam de poesia. A poesia tomou agora imagem para o mundo exterior , ligada a amor e lamechices, que obviamente ninguém quer ler. Mas a poesia está muito além disso. Lembro-me de há tampos mostrar um poema a um amigo meu. Um poema simples, mas muito bonito, não me lembro qual, ou de quem, mas lembro-me que era poesia branca. E no fim de o ler, o meu amigo perguntou: ‘Onde estão as rimas? Poesia sem rimas não é poesia’. Este tipo de observações leva a que as pessoas se afastem das poesia, porque realmente pouca gente tem desejo de ler poesia que não fale de amor, ou não possua rimas, e ainda menos tem desejo de ler a restante poesia. Observo em muitos jovens que querem ser poetas, que se intitulam bons poetas, poemas desprovidos de qualquer estética vocabular, de qualquer pureza ou espontaneidade de sentimentos, e ainda por cima, repleto de palavras ‘mal empregadas’ e absolutamente sem sentido em contextos apenas para fazer uma rima. É pena que os sentimentos poéticos se estejam a perder. É pena que neste tempo cinzento, em que tudo é feito à distância, onde a caridade é só depositar dinheiro numa conta, em que o amor é desprezado, em que já ninguém quer passar dez minutos com os amigos, ou, pura e simplesmente ver uma bonita paisagem, se esteja a perder também a capacidade de ler e compreender o que os outros escrevem, reservando ainda mais que no passado, o prazer da poesia, ao poeta, e não ao leitor.
Mas, tão importante como, ‘o que é a poesia’, vem a seguinte questão, o que é um poeta. O que nos define como poetas, é algo de natural, ou de adquirido? Será que para ser poetas temos de ter a poesia do nosso lado? Será que a língua nos domina, ou nós dominamos a língua.
Bem, a minha opinião, que vale tanto quanto a opinião de um jovem borbulhento vale, é que ser poeta é a capacidade de tornar qualquer coisa bonita, não só pelo que se diz dessa coisa, mas como se diz. Ou seja, um poeta tem de ser capaz de transformar qualquer lugar comum numa coisa bela! Tem de manobrar a língua, dominá-la e deixar-se dominar, sem haver necessariamente uma relação de vassalagem, mas sim, acima de tudo, uma simbiose, o equilíbrio perfeito entre os sentimentos do poeta e como ele os transparece. Em como um poema pode falar apenas de um rio. Ou pode variar entre as mais ‘pomposas’ metáforas, ou ficar por algo muito simples, e belo, que nos diz que ‘um rio não tem uma voz doce, porque é um rio’, não usando estas palavras, mas dizendo-o.
Será que um bom poema deve ser louvado a si mesmo, ou ao poeta que o escreve? Não será o pobre poeta uma ponte entre a realidade e o sentimento? Não será o poeta um lugar onde todos os sentimentos se misturam com a língua, e nos fazem sentir que de facto, qualquer língua é bonita. Mesmo por vezes lendo, ou ouvindo sem entender, a maneira como as coisas soam é tão bela, que só por isto já vale a pena.
Um poeta não é só alguém que escreve versos. É alguém que ama a língua, e nos inspira para todos os dias que temos de enfrentar, longos, cinzentos, e enfadonhos, mostrando-nos que as coisas pobres, e vulgares, podem florescer. Um poeta não tem de escrever sobre o amor, ou não tem de escrever sobre coisas bonitas, mas o que escreve, se for bonito, ainda que não fale sobre coisas bonitas, é necessário distinguir aqui a beleza do poema, da beleza de que alguns poemas falam, talvez uma distinção entre belo e sublime, dá-nos força, inspiração, capacidade de tentar, a todo o custo, melhorar, mudar, ajudar, amar, sofrer por amor até, só para experimentar-mos a dádiva de ter a poesia a escorrer-nos pelos dedos e a manchar folhas, e mais folhas de papel, com borrões de tinta azul, preta, roxa, castanha, que mais tarde serão registos daquilo que sentimos, serão restos da nossa mensagem, da nossa maneira de gostar, da nossa maneira de sentir, e de amar!
Festejem este dia mundial da poesia! Leiam! Sintam!
E encham a vossa alma...